NINGUÉM VIU, NINGUÉM VÊ
- Agência ID
- 15 de nov. de 2019
- 6 min de leitura
Atualizado: 3 de dez. de 2019

Não é de hoje que a sociedade reage de maneira negativa ou desconfortável quando algo auditivo, visual ou experimental toca em temas considerados tabus. Sair da zona de conforto pode ser uma forma de alertar o que está ocorrendo ao nosso redor, para nos inserir em novas experiências e, até mesmo, nos representar com as pessoas que fazem parte do nosso círculo.
Isso remete ao marcante período da história: a ditadura militar. De 1964 à 1985, tiveram cinco mandatos militares e 16 novos atos estabelecidos, como mecanismos legais que se sobrepuseram à instituição. Como reflexo disso, diversas obras foram censuradas, músicos exilados e a análise ainda se estende ao lembrarmos das pessoas torturadas de maneiras físicas e psicológicas, por apresentarem ideias contrárias ao governo.
Qualquer material divulgado para a mídia passava por uma rigorosa inspeção, realizada pelos departamentos responsáveis em vasculhar e dizer o que era ou não permitido ser do conhecimento da população. Claro, nem tudo chegava ao público geral, pois já havia sido filtrado durante todo esse processo de verificação.
Cinema
Para driblar a censura e toda a repressão política, tivemos a pornochanchada como principal gênero cinematográfico. Filmes de baixo orçamento, gravados na Boca do Lixo, espaço que era localizado nas proximidades do Bairro da Luz (SP) e servia como cenário para gravações, tiveram uma grande receita de bilheteria, conseguindo, até mesmo, movimentar a economia brasileira.
Os gêneros incluem filmes de comédia, suspense, terror, artes marciais, entre outros. A crítica e o público da classe alta torceram o nariz para esse modelo, que era tachado como “porcaria”. Hoje, alguns são considerados clássicos do nosso cinema nacional, como é o caso de “A Dama do Lotação” (1978), estrelado pela atriz Sônia Braga.
Atualmente, os filmes expostos nas grandes telas passam por fiscalizações do Ministério da Justiça, responsável por fazer classificações indicativas. Além de ser o principal órgão que define se o filme sairá em cartaz ou não, esse é um tipo de controle bem aceito pelos brasileiros.
Música
Cantores e compositores também utilizavam suas letras para realizar críticas políticas, sociais e se expressar, contudo, de forma implícita, burlando, assim, o sistema. Nessa época, escrever uma canção exigia tamanha criatividade e expertise, usufruindo da arte como método para alcançar a liberdade de expressão.
Entre grandes composições que exemplificam a luta contra a ditadura militar, contamos com a ilustre canção do cantor e dramaturgo carioca Chico Buarque, “Apesar de Você”. O músico submeteu a letra da composição à censura, em 1978, alegando que se tratava de uma briga de casal e, sendo assim, apenas uma ruptura amorosa. Os censores liberaram a obra, sem perceber as mensagens escondidas em cada uma das estrofes - para surpresa, até mesmo, de Buarque. A música alcançou um imenso sucesso, tocando nas rádios de todo o país.
Outras criações musicais, entretanto, não tiveram tanta sorte, como ocorreu com “Alegria, Alegria” do notável compositor baiano Caetano Veloso. Consagrada com uma das canções mais importantes da história brasileira, foi apresentada em 1967, inaugurando o movimento Tropicalismo no país. A letra pode ser entendida como as impressões que uma pessoa possui, naquela época, quando está “caminhando contra ao vento”.
Além da referência à situação política que o Brasil atravessava no trecho "Por entre fotos e nomes/ Sem livros e sem fuzil", o último verso tornou-se uma profecia para todos os opositores à ditadura: "Eu quero seguir vivendo, amor". Contudo, a letra foi considerada desrespeitosa e não passou pelo crivo dos censores.
Além desses célebres artistas, outros cantores conceituados como Gilberto Gil, Roberto Carlos e Cazuza, também utilizaram suas composições para oposição e manifesto contra o regime opressor. Alguns deles, tiveram que buscar exílio em outros países, evitando, assim, as sucessivas convocações para prestar depoimentos, que poderiam ocasionar na possibilidade de tortura e prisão.
Teatro
As artes cênicas são uma forma que os artistas encontram para expressarem e demonstrarem seus sentimentos, com total independência ao manifestar-se sobre determinados assuntos, seja atuando, recitando poemas ou, até mesmo, cantando. Mas, parece que tudo não passa apenas da teoria, pois em pleno século XXI continuamos, muitas vezes, presos e estagnados no passado.
As proibições presentes nos palcos impedem a valorização da nossa cultura e são maneiras de tentar calar a sociedade - principalmente as minorias. “Com certeza existe censura no Brasil. Gostaria muito que não houvesse, mas eu mesma já vivi situações na qual meus amigos estavam estreando uma peça e, no dia da estreia, caiu de pauta, cortaram o fomento ou simplesmente impediram de acontecer, por qualquer motivo. Isso com atores de companhias pequenas ou maiores”, relata a atriz Renata Gasparim, de 20 anos.
Tabus como racismo, diferenças de gêneros, exposição do corpo e sensualidade são expostos abertamente em cenas que, por vezes, são representações de acontecimentos vivenciados no cotidiano. A peça “O Estupro de Lucrécia”, produzida e encenada por Gasparim, revela, no poema de 1594, do escritor William Shakespeare, uma personagem vítima de violência sexual pelo primo de seu marido que, sem saber lidar com a situação, comete suicídio.

A mensagem principal da peça traz as consequências do estupro na vida de uma mulher que, mesmo se passando no século XVIII, possui semelhanças com a atualidade. A atriz ressalta como muitos homens não conseguem mensurar a violência sexual a uma mulher e que esse ato, muitas vezes, é comparado a uma relação sexual consensual.
Apesar de ser uma vertente da arte que busca a transformação cultural, o teatro ainda encontra, na contemporaneidade, obstáculos para realizar esse objetivo, uma vez que a censura insere concepções individuais e errôneas ao coletivo. “Me assusta muito viver em um país que está caminhando para trás, a passos muito largos. Me assusta mais ainda pensar que eu possa viver, novamente, uma situação de uma censura velada, porque eles não admitem o que estão fazendo, mas é! E a única coisa que eu posso dizer é que a comunidade artística vai continuar fazendo tudo o que está incomodando eles”, ressalta Gasparim.
Mesmo que esses temas controversos estejam inseridos, de forma estratégica, no roteiro, com o intuito de causar impacto e reflexão em seus espectadores, muitos tendem classificá-la como imoral por conter cenas ou atos que fogem do padrão. “Arte é arte, da forma que ela vier. O fato de ter pessoas nuas ou atos sexuais ou o que quer que seja, não a desqualifica como uma obra de arte”, afirma a atriz.
Corte de fomentos também é uma outra forma de tentar romper as peças e calar os artistas no Brasil. Em outros países, como, por exemplo, os EUA, a cultura faz parte da base educacional, ou seja, desde os primeiros anos de vida, os alunos adquirem o conhecimento de artes cênicas - o qual já foi apontado como de extrema importância para o desenvolvimento de habilidades relacionadas à criação, interpretação e oratória.
Como consequência dessa falta de investimento, a própria sociedade acabou contribuindo para um processo de desvalorização cultural, por não estar acostumada a presenciar este tipo de arte no seu dia a dia. “A parte mais difícil de fazer teatro, é o fato de que as pessoas pensam que o investimento em cultura não é uma prioridade. Sendo que, a arte existe para que a gente tenha uma razão para viver.” conclui a intérprete de Lucrécia.

Exposições
Obras que trabalham com temas polêmicos estão constantemente vulneráveis a comentários e críticas negativas de pessoas que, de fato, ainda não entenderam o intuito do autor. O projeto “A Arte do Eu Feminino”, desenvolvido pelos artistas plásticos, Roberto Júnior e Laura Lima, ambos de Taubaté (SP), é um exemplo que não ficou fora do radar da censura.
Desenvolvida em 2018, essa exposição também contou com a presença de outros artistas, convidados para colaborarem com pinturas e esculturas. “A ideia dessa mostra era dizer que todas as pessoas têm tanto o lado masculino quanto o lado feminino dentro delas, mas não na questão de homem e mulher em si, mas a questão da energia feminina”, comenta Júnior.
Trabalhando essa questão do nu artístico, o artista se aprofunda ainda mais ao tentar explicar o conceito. “A sexualidade do corpo nu pode ser vista de muitas maneiras, não só com esse desejo de prazer que a pessoa sente, dessa coisa do carnal, mas pode ser vista como uma coisa mais poética, mais natural”, complementa o artista.
O projeto, “A Arte do Eu Feminino”, sofreu censura quando os profissionais tentaram levar a ideia para a Câmara de Taubaté, interior de São Paulo. A resposta explicativa para tal ação era que, por ser um lugar público, não existia um controle da entrada de pessoas, possibilitando que crianças tivessem acesso às imagens. “Nem todo mundo entende que o corpo é só um corpo. Muitas pessoas tem esse tabu sobre o que precisa ser um corpo. O fato de não ser tão divulgado as exposições sempre é um choque, porque ninguém está acostumado, então acabam levando para a erotização. A gente que desenha acaba sendo até julgado muitas vezes por isso”, declara Lima.

Para esses artistas, é um desafio constante dedicar-se à temas controversos, até porque a liberdade de expressão no Brasil nada mais é do que um espaço repleto de normas a serem seguidas. “A gente é livre dentro das caixinhas que é colocadas para nós”, enfatiza Júnior.
Resultados
Sabemos que, hoje em dia, não é necessário a existência de uma entidade governamental para um projeto ser censurado. Uma simples mobilização da população já é suficiente para levantar questionamentos que tenta definir até que ponto a sexualidade é uma arte e como ela deve ou não ser inserida nas produções culturais.
Essas ações demonstram a falta de conscientização das pessoas, com relação às manifestações artísticas. Muito mais do que apenas contar uma história, a arte é uma maneira do artista se conectar com o mundo através do seu talento, manifestando seus pensamentos e dando forma às suas inspirações, que representam o real sentido da liberdade de expressão.
Infelizmente em pleno século XXI, existe barreiras a serem quebradas, sendo que o homem atual é tão retrógrado que se esquece que a nudez existe e sempre existiu e dentro de uma caixinha chamada celular ela é escancarada e vulgar ... É Mais impedir artistas do que assumir nossa ignorância, arte existe porque a vida não basta , frase dita por Gullar, então isso que aconteceu foi bom , porque mesmo negativamente provocando apenas com o título, amei participar deste projeto. Parabéns aos criadores. Washington Oliveira